DÉBORA GUIMARÃES
Exposição FIXO, SÓ O PREGO (2019), Espaço Cultural Municipal Sérgio Porto/RJ
Um prego na parede e o gesto supostamente inequívoco de demarcar um lugar e um modo de existir parecem, agora, significativamente estranhos em meio a esse tempo-Brasil em que tudo – tudo mesmo – saiu do lugar em que estava. Não fosse pela potência da coletividade, é bastante provável que cada uma dessas obras e autorxs ficassem quietinhxs onde estão, com o prego numa mão e o martelo dependurado na outra. Mas, juntxs, movidxs pelo desejo de encontro e de troca, arriscamos furar, ocupar, intervir, performar.
Ao longo do ano em que se conformou esta coletividade, em compasso com as reviravoltas políticas, sociais e culturais do país (quiça do mundo), riviramos também os universos sensíveis dxs corpxs que frequentaram o curso Conversas de Arte na Escola de Artes Visuais do Parque Lage.
Semanalmente, cada encontro colocava na mesa obras de vários lugares do mundo e ideias sobre as forças que atravessam a arte, engendrando uma discussão depois complexificada pelas poéticas dxs artistxs que ali generosamente compartilham seus processos, questões e inflexões.
Em nossa mesa coletiva encontraram acolhida obras cujo silênio e vazio esgarçam um tempo de respiro diante do histriônico da vida social – como as poéticas de Mariana Hermeto, Clara Veiga, Paula Águas, Ygor Landarin, Dulce Lysyj, Ana Crolina Videira – e, por outro lado, trabalhos dedicados à escandalosa pujança estética da vida, como nas obras de Daniela Vignoli, Márcia Ribeiro e Verônica Peixoto.
No centro da rode de conversas estiveram obras preocupadas com as feridas da existência e da alteridade: pautas que foram também atravessadas por acontecimentos da vida da Escola, como o esforço coletivo para a reabertura da exposição Queermuseu – cartografias da diferença na arte brasileira e a intervenção de Gabe Passarelli, cuja imprescindível pergunta (“O que fazer quando uma corpa vira cinzas?”) ecoa sobre obras como as de Marcella Araujo, Fernanda Mafra, Débora Guimarães, Márcia Falcão, Everson Verdião, Regina Pessoa e Lucas Cypriano.
Por sua vez, Aline Reis, tomada pelo desejo de circunscrição filosófica da prática artística, batizou esta exposição coletiva a partir de uma obra que é um comentário em torno de tópicos que atravessaram nossas conversas de arte, como a imagem, a história, o espaço, o político, o tempo. Ao fazê-lo, encarna o saber que foi coletivamente construído ao longo de 2018, do qual as obras aqui presentes são, como um prego, cúmplices. Coniventes com aquilo que se mantém pregado, mas, principalmente, com aquilo e aquelxs que escapam à pressão do furo.
A sensibilidade de Débora Guimarães é corajosa. Ela organiza essa bravura em ações, performances, cartazes, carimbos, fotografias ou esculturas e escolhe seus materiais cuidadosamente – para seu grito que é social, e seu assunto que é político. Assim, Débora vai para o ataque à frente de um exército de muitas vozes e sublinha, com vigor, os fatos, os abusos e as violências de todo dia, não permitindo que nos acostumemos com o estado dos acontecimentos. Nesta exposição, Débora marca o tempo com uma ampulheta política: a cada 15 segundos mais alguém morre para que a ordem social – injusta e cruel – siga em curso.
- Ana Miguel, Brígida Baltar e Clarissa Diniz